SOZINHO NÃO SOLITÁRIO
Crescemos aprendendo que estar sozinho, sem um casamento ou um relacionamento romântico é algo prejudicial, ruim e perigoso. Para a maioria dos condicionados pelos valores familiares tradicionais, o solteiro representa um perigo. “Antes mal acompanhado do que só”. Estar só é sinônimo de solidão. Ficar para “titio” é visto com um certo preconceito. A projeção da felicidade é o aprendizado do dever de encontrar a tal “alma gêmea” a qualquer custo. Na realidade a maioria se depara mais com a necessidade do outro como a solução dos seus problemas, do que a realidade do compartilhar a vida de forma saudável, o que significa o estabelecimento de relações sem o crivo de quaisquer dependência.
Todo o nosso aparato educacional em todas as suas instâncias é feito de forma a causar a total dependência física, sentimental, psicológica e material. O aprendizado da auto-satisfação é tido como prejudicial, afinal a primeira lei é que somos seres sociais e dependemos do outro para a total sobrevivência. A contradição é a criação de uma sociedade altamente exploratória do individual para a própria sobrevivência da sociedade.
É mais fácil explorarmos o outro do que nos tornarmos auto-suficientes sem a escravidão alheia. E auto-suficiência é vista como perigo, já que os exemplos que possuímos são de indivíduos que exploram e escravizam a maioria.
No geral, aquilo que denominamos “amor” é o estabelecimento de vínculos de exploração e dependência afetiva, psicológica, espiritual, financeira e física nas relações cotidianas. Formas exacerbadas de um capitalismo ferrenho em todos os nossos níveis de relações.
E destas relações de poder nascem o sofrimento dos indivíduos e a corrupção social em todas as suas esferas.
O homem é o animal que demanda mais tempo de dependência das relações familiares. E esta temporalidade de dependência se estende por todas as relações do indivíduo projetadas na base da construção de outras relações sociais. Isto observamos na figura do Estado como responsáveis pelo indivíduo e as suas políticas de dependência. Nas figuras religiosas de um Deus como pai, um pastor que cuida das ovelhas, de um Papa como pai, uma Maria na representação de mãe. E mesmo nas relações de trabalho das figuras de autoridade que não demandam autonomia para o indivíduo, e ainda usam dos mecanismos de punição/reforço patriarcais. Supostas seguranças que pagamos caro e não temos.
Este mesmo construto se estabelece nas relações românticas na formação de famílias necessárias à manutenção do feed back do mesmo sistema. E não importa que tipo de relação, aparentemente tão diferente, na escolha das parcerias homo ou hétero afetivas. A base aprendida ainda é a mesma, mudando apenas o esteriótipo físico da união. Hoje a discussão do que é a família e a busca do reconhecimento de diferentes formas de vínculos familiares na base jurídica também é a garantida destas mesmas condições de dependência.
O médico psiquiatra Flávio Gikovate ataca o romantismo e defende o individualismo, após acompanhar a constituição das famílias contemporâneas e os fatos mais marcantes que mudaram a sexualidade no Brasil e no mundo, por meio de mais de 8.000 pessoas atendidas. Suas reflexões sobre o amor ao longo de esse tempo foram condensadas no seu livro, Uma História de Amor… com Final Feliz. Na obra, a oitava sobre o tema, Gikovate ataca o amor romântico e defende o individualismo, entendido não como descaso pelos outros e sim como uma maneira de aumentar o conhecimento de si próprio. Tendo sido um dos primeiros a publicar um estudo no país sobre sexualidade, atuou em diversos meios de comunicação, como jornais e revistas e na televisão.
“Os solteiros que estão mal são os que ainda sonham com o amor romântico. Pensam que precisam de outra pessoa para se completar. Como Vinicius de Moraes, acham que que ‘é impossível ser feliz sozinho’. Isso caducou. Dai, vivem tristes e deprimidos.”
O momento é para cada um buscar a auto-reflexão, o seu auto-conhecimento e a criação de vínculos de compartilhamento da vida, de criação de um sistema mental, físico, psicológico e espiritual de não dependência do outro do forma como de exploração em todos os níveis.
Conhecer você é o conhecimento das suas relações. Nosso conhecimento é relacional, afinal o que somos são as sombras do contexto em que estamos inseridos. Seja luz para si mesmo e não mais uma sobra no todo.
Reforçando as palavras de Gikovate, não confunda individualismo com egoísmo e descaso pelos outros. O individualismo corresponde a um crescimento emocional. “Quando a pessoa se reconhece como uma unidade, e não como uma metade desamparada, consegue estabelecer relações afetivas de boa qualidade. Por tabela, também poderá construir uma sociedade mais justa. Conhecem melhor a si próprio e, por isso, sabem das necessidades e desejos dos outros. O individualismo acabará por gerar frutos muito interessantes e positivos no futuro. Criará condições para um avanço moral significativo.”
- Published in Comportamento, Psicologia