A RESIGNAÇÃO DE BENTO
Não precisamos mais que a fumaça branca do conclave decida nossas moralidades.
O que significaria a resignação de um Papa? No Brasil muito pouco, pois estamos sob o reinado e a égide da lei do Rei Momo. Oxalá, em meio a tanta resignação o mundo eleja Momo como Papa, e festeje o carnaval da libertação do fundamentalismo da chefia da doutrina, de toda inquisição, e, haja o diálogo com a modernidade de uma lei “lei natural” de acordo com a moderna racionalidade divina.
Tanto o Papa quanto a igreja católica sofrem, não tendo forças devido à idade avançada. No mundo atual, sujeito a rápidas transformações e sacudido por questões de grande relevância para a vida da Fé, para governar a barca de S. Pedro e anunciar o Evangelho é necessário também vigor, tanto do corpo como do espírito. Vigor que, nos últimos meses, diminuiu em mim de forma que tenho de reconhecer a minha incapacidade para exercer de boa forma o ministério que me foi encomendado”, justificou o líder da Igreja Católica, que comunicou a sua decisão em latim, durante a canonização dos mártires de Otranto. A Igreja e o Papa Bento XVI não são mais capazes de exercer de forma adequada o ministério de Papa e bispo de Roma”. Bento XVI considerava a necessidade de redescobrir o valor da lei moral natural para as bases da desejada ética universal. João Paulo II e Bento XVI demarcam uma nova discussão a respeito da importância da lei natural para o diálogo contemporâneo com pessoas das diferentes religiões e culturas. Em busca de uma ética universal, um novo olhar sobre a lei natural Bento XVI, em seu discurso, insistiu na «necessidade e urgência, no contexto atual, de criar na cultura e na sociedade civil e política as condições indispensáveis para uma plena consciência sobre o valor irrenunciável da lei moral natural». A lei natural constitui a verdadeira garantia oferecida a cada um para viver livremente e em respeito de sua dignidade de pessoa, e para sentir-se defendido de qualquer manipulação ideológica e de todo abuso perpetrado em virtude da lei do mais forte», disse o Santo Padre. Segundo o bispo de Roma, «em um mundo conformado pelas ciências naturais, o conceito metafísico de lei natural está quase ausente, incompreensível». «Ao ver esta importância fundamental para nossas sociedades, para a vida humana, é necessário que se volte a propor e dar a compreender no contexto de nosso pensamento, este conceito: o próprio ser em si leva uma mensagem moral e uma indicação para os caminhos do direito.» Segundo explica o Catecismo da Igreja Católica no número 1954, «a lei natural expressa o sentido moral original que permite ao homem discernir mediante a razão o que são o bem e o mal, a verdade e a mentira». Em definitivo, os dez mandamentos. O número 1956 do Catecismo acrescenta: «A lei natural, presente no coração de todo homem e estabelecida pela razão, é universal em seus preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Expressa a dignidade da pessoa e determina a base de seus direitos e seus deveres fundamentais». A antinomia da Igreja sempre sofreu pela sua inadequação entre o fundamentalismo judeu como base nos usos e costumes e o pax deorum (“paz divina”, em latim) romano que, em sua origem, crenças etruscas, gregas e orientais foram sendo incorporadas aos costumes já tradicionais de acordo com sua efetividade. O politeísmo romano no sincretismo monoteísta das leis e éticas judaicas presentes no Cristianismo. A noção de nossa sociedade de tradição judaico-cristã quanto à religião liga os rituais à fé, algo que não era levado em conta pelos romanos. Para eles os deuses simplesmente existiam, não havia necessidade de questionar esse fato. Os deuses dos antigos romanos, à semelhança dos antigos gregos, eram antropomórficos, ou seja, eram representados com a forma humana e possuíam características (qualidades e defeitos) de seres humanos. Não havia uma separação entre uma lei divina moral e uma lei social cerimonial. O mundo atual caminha em direção à Antiga Roma na sua diversidade cultural, enquanto Roma se fecha em seu fundamentalismo judaico cristão das “leis naturais”. Tanto os seguidores de Pedro, quanto os de Paulo se equivocaram na sua interpretação do Evangelho de Cristo em sua ênfase nas imagens cerimoniais. Apesar da diversidade de Paulo como romano, ele adotou a moralidade judaica na sua ética evangelista. Pedro a rocha sobre o qual a Igreja Romana se fundamentou seguiu a lei paulina como base ética comportamental da sociedade, numa tentativa organizacional cultural. Contudo, a dicotomia romana judaica paulina tornou-se o espinho na carne tanto de Paulo, quanto no modo operante do patriarcado de Pedro como representante de Deus na terra. A carta de Paulo aos romanos como considerada por Lutero a “mais importante peça do Novo Testamento, o mais puro Evangelho é novamente endereçada a Roma, e para cada um que se cristão não somente memorizar palavra por palavra, mas também ocupar-se com ela diariamente, como se fosse o pão diário da alma”. O mundo ainda vive e discute a hermenêutica bíblica entre a fé, obras e salvação. O Evangelho de Paulo desenha no livro de romanos todas as contradições presentes atualmente entre a Igreja e as sociedades e o indivíduo e sua incapacidade prática cerimonial de solução desta dualidade. Qual seria esta “lei natural”? A consciência do certo e do errado inerente à humanidade, independente que alguém tenha ensinado, personificado nas práticas sociais, por não conseguirmos colocá-la em prática. Eis o grande dilema da Igreja: adequar as novas práticas sociais reinterpretando a “lei natural”, onde não há Lei, também não há transgressão. Permanecer fiel a sua crença que as “novas” práticas presentes na sociedade ferem a constituição divina. Porque, mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei. (Hebreus 7:12). Nosso sacerdote não é Pedro e nem Paulo, um sacerdócio levítico de homens fracos, e mortais, que necessitando primeiramente de oferecer sacrifícios pelos seus próprios pecados, incapacitados de continuar em seu ofício visto terem de ser inevitavelmente removidos pela morte (Hb 7.23,27,28), mas Cristo (Hb 4.14)O Sacerdócio de Cristo na Carta aos Hebreus liga com Cristo as idéias de “verdade” e “perfeição”. Doravante, portanto, devemos não limitar nossa idéia cristã de sacerdócio àquilo que aprendemos pelo sacerdócio levítico que serviam apenas como solene memória que algo restava ainda para ser feito de modo completo e final para que o pecado pudesse ser aniquilado (Hb 10.1-3). Isso ensinava que “ainda o caminho do Santo Lugar não se manifestou” (Hb 9.8) ; pelo que também, sob a antiga aliança, a cortina divisória que impedia os homens de penetrarem no Santo dos santos nunca foi rasgada nem tirada fora (Hb 9.7-8). Em Cristo houve a aniquilação desta cortinha divisória, não havendo mais a necessidade de sacerdotes mediadores (Mateus 27:51-53). Não precisamos mais que a fumaça branca do conclave decida nossas moralidades.
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