A lei complementar nº 135/2010 (Ficha Limpa), nem deveria existir em condições normais se o eleitor verificasse as condições histórias de um candidato que se coloca como possível representante do povo.
Sancionada em 4 de junho de 2010, a força da regra de iniciativa popular contou com o apoio de 1,3 milhão de assinaturas para sua aprovação pelo Congresso Nacional, e será aplicada pela primeira vez em eleições gerais.
A legislação prevê 14 hipóteses de inelegibilidade que impedem a candidatura de políticos que tiveram o mandato cassado, de condenados em processos criminais por um órgão colegiado ou dos que renunciaram aos seus mandatos para evitar um possível processo de cassação. A punição prevista na Lei é de oito anos de afastamento das urnas como candidato.
Mesmo decorrente de normas legais que impedem pessoas com histórico de corrupção de se candidatarem a cargos públicos não garante que isto aconteça.
A lei poderia ser mais rígida; os partidos, mais éticos; a Justiça Eleitoral, mais exigente — mas, em última análise, é por obra e graça do eleitor que figuras como o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PR) permanecem em cena, quando já fizeram o suficiente para merecer o ostracismo.
A vulnerabilidade do eleitor, condicionada por aspectos socioculturais ou por seu alheamento voluntário, pode justificar que a legislação, de certa maneira, precise proteger esse mesmo eleitor — e, por extensão, o País — contra os candidatos com histórico de corrupção, numa tentativa de impedir que aventureiros ou mesmo quadrilhas organizadas ocupem postos decisivos na administração pública. E só a vulnerabilidade do eleitor, agravada pela obrigatoriedade do voto — que leva muitos, a despeito da falta de informações sobre a vida pregressa dos candidatos, a votar mesmo assim, ainda que não tenham a mínima convicção sobre suas escolhas –, encoraja políticos flagrados em casos de corrupção a lançar-se candidatos, aproveitando-se das brechas deixadas na lei, na esperança de que a Justiça Eleitoral não os impeça e os incautos os elejam.
Infelizmente, como se sabe, não é isso o que ocorre no Brasil. Com 13,2 milhões de analfabetos e cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais — o que equivale dizer que uma em cada cinco pessoas com mais de 15 anos de idade não consegue interpretar um texto –, acesso limitado a fontes confiáveis de informações e uma cultura enraizada de rejeição ao universo político — evidenciada por levantamentos como a pesquisa CNT/MDA divulgada em abril deste ano, segundo a qual 58,2% dos eleitores afirmam ter pouco ou nenhum interesse pelas eleições –, o Brasil é, ainda, um celeiro de oportunidades para indivíduos e grupos que fazem da vida pública um caminho para negociatas e enriquecimento ilícito.